Lançado em 2009, o filme se baseia no livro Playing the Enemy: Nelson Mandela and the Game That Made a Nation, do jornalista John Carlin. Com Morgan Freeman no papel de Mandela e Matt Damon como o capitão da seleção, François Pienaar, a produção investiga como um símbolo de opressão para a maioria negra pode ser ressignificado para construir uma identidade nacional compartilhada. O enredo se passa na cidade de Johanesburgo, epicentro das transformações do país.
Qual é o contexto histórico por trás de ‘Invictus’?
O filme se ambienta no ano de 1995, logo após o fim do regime do apartheid, sistema de segregação racial institucionalizada que durou de 1948 a 1994. A África do Sul estava em um frágil processo de transição democrática, com profundas feridas sociais e desconfiança mútua entre as comunidades. Nelson Mandela, recém-eleito presidente, enfrentava o gigantesco desafio de evitar uma guerra civil e construir uma “nação arco-íris”, seu conceito para uma sociedade multirracial e unida.
Nesse cenário, o rugby era visto pela população negra como um esporte do opressor, associado à minoria branca afrikaner. Os Springboks, seleção nacional, vestiam as cores verde e dourado que representavam, para muitos, a opressão. O símbolo do antílope no escudo era recebido com vaias nos estádios. Mandela, no entanto, enxergou no evento esportivo uma oportunidade única de engajamento simbólico.

Como Mandela usou o rugby como estratégia política?
A jogada política de Mandela foi genial e arriscada. Em vez de rebatizar a seleção, como sugeriam aliados dentro do Congresso Nacional Africano (CNA), ele decidiu abraçar os Springboks. Mandela entendeu que para unificar, era preciso fazer concessões e respeitar os símbolos afrikaners, demonstrando que a nova África do Sul também era deles. Ele convocou Pienaar para um chá e transmitiu sua visão: vencer o campeonato para todo o país, não para um grupo.
Essa estratégia foi além das palavras. Mandela apareceu publicamente usando o boné e a camisa dos Springboks, um gesto poderosíssimo de legitimação. Ele instruiu seu staff a trabalhar para que a copa fosse um sucesso, transformando a competição em um projeto de Estado. O objetivo era fazer com que cada cidadão, independentemente da cor, torcesse pela mesma equipe, experimentando, mesmo que momentaneamente, um sentimento de pertencimento comum.
Quais foram os momentos-chave retratados no filme?
O filme captura cenas icônicas que misturam história e drama. A sequência em que Mandela entrega a Pienaar um poema, o “Invictus” de William Ernest Henley, que o sustentou na prisão, é central. O poema fala sobre domínio próprio e invencibilidade da alma, temas que conectam a luta do líder à batalha dos atletas em campo. Outro momento crucial é a visita da equipe à ilha de Robben Island, onde Mandela ficou preso por 18 anos.
Lá, Pienaar e os jogadores entendem a dimensão do sacrifício e da cela minúscula onde o presidente passou quase duas décadas. Essa experiência é apresentada como um ponto de virada na motivação da equipe. A cena final da partida decisiva contra a Nova Zelândia no Estádio Ellis Park, com o estádio e o país inteiro cantando o antigo hino dos afrikaners, “Die Stem”, junto do novo hino negro, “Nkosi Sikelel’ iAfrika”, é a culminação do processo de unificação.
O filme é fiel aos eventos históricos reais?
“Invictus” é uma dramatização baseada em fatos, não um documentário. A relação entre Mandela e Pienaar foi aprofundada artisticamente; na realidade, os encontros foram mais formais e menos frequentes. A adesão imediata da população negra ao rugby, como mostrada em algumas cenas, também foi um processo mais gradual e complexo do que o filme sugere. Havia ceticismo e resistência consideráveis.
Em seus mais de 20 anos de prisão, Mandela se inspirou com alguns poemas, um deles que deu nome ao filme sobre sua luta contra o racismo. O poema “Invictus” de William Ernest Henley foi um dos citados por ele. O trecho retirado do perfil @viladospoetas no Instagram, mostra Morgan Freeman, que atuou como Mandela falando sobre este poema.
Qual é o legado deste evento para o esporte e a política?
O legado da Copa de 1995 é profundo. O evento é estudado como um caso paradigmático do uso do esporte como diplomacia pública e soft power. Ele demonstrou que competições esportivas de massa podem servir como palcos para cura social, ainda que temporária. Para a África do Sul, a vitória não apagou os problemas estruturais de desigualdade, mas criou um mito fundador potente para a nova nação.
No mundo do esporte, reforçou a ideia de que atletas e equipes carregam um peso político inevitável, especialmente em contextos divididos. A narrativa dos Springboks como unificadores se perpetuou, sendo invocada novamente em suas vitórias nas Copas do Mundo de Rugby de 2007 e 2019. O filme, por sua vez, cristalizou essa história para um público global, tornando-a acessível e emocionante.
O que ‘Invictus’ ainda pode nos ensinar hoje?
Em um mundo ainda marcado por divisões étnicas, políticas e sociais, “Invictus” oferece uma reflexão atemporal sobre liderança. A lição central vai além do esporte: é sobre a coragem de se aproximar do “inimigo”, de entender seus símbolos e de criar pontes onde parecia só haver abismos. Mandela exemplificou que a verdadeira força está na capacidade de empatia e gestos simbólicos calculados.
O filme também nos lembra que as narrativas compartilhadas têm poder transformador. Uma vitória esportiva pode se tornar o catalisador para um sentimento maior de comunidade. Assistir a “Invictus” hoje é um exercício para pensar em quais “Springboks” da nossa sociedade contemporânea podem ser ressignificados e quais gestos de união estamos dispostos a fazer, mesmo quando parecem contra-intuitivos. A história real nos convida a acreditar que muros podem cair em qualquer campo, até mesmo em um de rugby.





