Os e-Sports ganham cada dia mais espaço, tanto no gosto do público quanto na mídia, com conteúdos cada vez mais relevantes e números de audiência que mostram os jogos virtuais não só como o futuro, mas como parte do presente.
Mas e o espaço delas nos e-sports?
Historicamente, se sabe que as mulheres não tiveram as mesmas oportunidades que os homens nos esportes. O futebol, por exemplo, só teve na década de 90 a primeira edição de Copa do Mundo feminina, sem contar no abismo econômico e midiático que existem até hoje entre as categorias.
Porém, nas modalidades virtuais, mesmo tendo especificidades que abrem mais espaço para a participação delas, ainda é possível enxergar certos “vícios” herdados dos esportes “offline” ou tradicionais, por assim dizer.
O SportBuzz conversou com o JP Gusmão e a Carol Chrispim, especialistas em e-Sports e consultores da OutField Consulting, para debater sobre essa temática.
Eles, no início, tentaram explicar o porquê dessa diferença na participação das mulheres dentro da competição dos e-Sports.
JP acredita que seja uma herança da sociedade, mas que está sendo trabalhada: “Acho que é muito reflexo da sociedade como um todo. Não só nos e-sports, que é um cenário relativamente novo, já começou com uma competitividade no cenário masculino, mesmo nunca tendo uma restrição para o público feminino. Foi uma coisa meio intrínseca desde o começo colocar os homens para jogar desde o começo e agora a gente tá vendo os times colocando as mulheres, criando times 100% femininos. Se formos ver o CBLOL, tem mulheres dentro da equipe. As coisas estão começando a mudar, mas ainda é algo estrutural não só no Brasil, mas como no mundo“.
Carol, por sua vez, levou em consideração a representatividade no “backstage” dos jogos: “Ainda existe essa cultura de que videogame é algo mais masculino, seja nos consoles e nos jogos, que são desenvolvidos por homens, assim não tem a representatividade. É muito tóxico o ambiente para as mulheres, o que as deixa de fora do universo do e-sport como um todo”.
Outro assunto que, infelizmente, é recorrente nas plataformas e nas comunidades gamers são as represálias às jogadoras (amadoras e profissionais) apenas por serem mulheres.
Esses tristes -e comuns- casos fazem com que muitas mulheres optem por jogar online com nomes neutros, justamente para evitar comentários de cunho sexistas e ofensivos.
Eles comentaram quais estão sendo as atitudes que as produtoras estão tomando para coibir esses casos, o que ainda pode ser feito e se a criação de ligas 100% femininas pode ser uma alternativa.
“Uma coisa que elas têm feito muito é reportar os atos e mensagens de assédio, machismo, racismo e etc… As produtoras acabam banindo até aquele jogador, mas nada impede que ele crie outra conta com outro e-mail, então é algo recorrente, mas o primeiro passo vem sendo dado. Em termos competitivos, acho que nunca existiu uma imposição de ‘ter que ter mulheres no time’, até acho que pode pegar um pouco mal uma obrigação. Então acho que, ao longo do tempo, criar campeonatos só para mulheres ou campeonatos mistos é uma saída, o que pode incentivar essa entrada ainda mais”, disse JP.
Carol seguiu na mesma linha do colega e bateu na tecla da produção dos jogos: “Nesse ponto que o Jota fala, tanto os campeonatos mistos quanto os femininos são um jeito de fazer com que essas meninas vejam outras mulheres jogando, se inspirar e trazê-las para as competições. Quanto mais mulheres jogando nas modalidades mais altas dos e-sports, mais elas começarão a entrar nos campeonatos. É muito interessante essa modalidade de jogo misto e feminino. Outro ponto é que algumas produtoras fazem o programa de diversidade, a gente tem cerca de 10% dos jogos produzidos por mulheres e a gente consegue ver a diferença. Essa parte das mulheres na criação e produção dos jogos é um passo importante“.
REPRESENTATIVIDADE
Outro ponto importante é a representatividade. Essa palavra, que ganhou muita força nesses últimos anos, vem sendo um mantra para a entrada do público feminino no consumo dos conteúdos, seja dos jogos, em âmbito amador, ou dos e-Sports, como pro-players.
Ou seja, quanto mais a mulher se ver representada dentro dos jogos, maior a chance dela entrar nesse universo. O que vem sendo feito, mas o caminho ainda é longo.
Isso porque as mulheres, dentro dos games, sofrem de outro fenômeno chamado “hiperssexualização”, ou seja, tiveram seus corpos modificados para se tornar uma espécie de símbolo sexual, sem uma grande narrativa ou importância para a história do jogo.
Nos últimos anos, esse tabu vem sendo quebrado, com as produtoras criando mulheres de corpos reais dentro dos jogos, além dar para elas, destaques dentro de suas próprias narrativas.
Outro ponto foi a inclusão delas nos jogos esportivos. A EA Sports incluiu, há alguns anos, as seleções de futebol femininas dentro do game FIFA, o que dá visibilidade ao futebol feminino.
Porém, ainda não tem clubes. Outros jogos como a NBA 2K, ainda não tem a inclusão das jogadoras da WNBA.
JP analisou todo esse movimento, principalmente nos games de esportes, e cita uma evolução considerável: “Acho que se formos falar dos jogos ‘não-competitivos’, os que as pessoas jogam casualmente, as mulheres são sim sexualizadas justamente pelo que a Carol falou sobre a produção dos jogos, que são feitos por homens e pensado para homens. Eles acabam criando personagens femininas com características que a maioria dos homens gosta ou aspira. Acho que ter mais mulheres produzindo os jogos vai ajudar nessa representatividade e consequentemente trazer mais mulheres para jogar. Acho que quanto mais representatividade tiver, e dentro do mesmo jogo, é melhor”.
Carol seguiu na linha de JP e cita a importância da narrativa das mulheres dentro dos jogos: “A representatividade na tela é super importante e relevante. Não é só contar histórias de mulheres, de como elas são mostradas, mas o contar de histórias das narrativas delas dentro dos jogos. Nesses jogos tradicionais, a hiperssexualização é evidente e porque também não são mulheres que produzem os jogos, na maior parte das vezes. Quando um jogo não sexualiza, como o “The Last of Us”, que até ganhou prêmio, foi super criticado porque a personagem não representava o imaginário super sexualizado que os jogadores tinham. Existe um modelo da mulher dentro dos jogos e muitas mulheres não se sentem confortáveis jogando”.
Ela ainda completou citando as modalidades femininas nos games de esporte: “Com relação aos jogos esportivos, eu não vejo sentido em ter um jogo separado para os gêneros e, de fato, conseguimos ver que a inclusão das mulheres dentro dos jogos traz mais gente para jogar e falar sobre. Quando tivemos uma personagem feminina dentro do “The Journey” e do “FIFA”, foi muito elogiado, por exemplo quando a EA lançou um pack com as jogadoras para a Copa do Mundo feminina. Porém o que acontece muito no FIFA é que, mesmo as seleções estando ali, as atletas não são representadas fielmente no jogo. No Brasil, por exemplo, nenhuma jogadora tem o seu ‘perfil real’ lá, quando você olha o ranking, você vê as jogadoras como a Rapinoe, Morgan, mas não vê a Marta. O caminho está aí, mas está sendo trilhado devagar“.