Na pequena cidade de Tibau do Sul, no litoral do Rio Grande do Norte, existe muito mais do que praias bonitas. Situado ali está o Clube Laguna SAF, primeiro time vegano do Brasil e das Américas – e segundo do mundo, atrás somente do Forest Green Rovers, da Inglaterra, que adotou o modelo em 2011.
Fundado em 2022 pelo ex-jogador e agora treinador da equipe, Gustavo Nabinger, junto de seus sócios Rafael Eschiavi e Deia Nabinger, o time se tornou a primeira SAF potiguar da história, focando em cinco dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Além disso, em 2023, se tornou membro do Pacto Global das Nações Unidas.
Ver essa foto no Instagram
“A ideia sempre foi criar um clube que representasse a alegria de jogar, a essência do futebol brasileiro. Ainda não tinha sido promulgada a lei das SAFs, então a nossa ideia era fazer um clube empresa”, afirmou Gustavo em entrevista exclusiva ao SportBuzz.
“Nós somos uma startup, não tem nenhum clube no Brasil que tenha sido fundado da mesma forma, com investimento próprio. […] Em termos de negócio, [nossa ambição] é crescer a marca, trazer lucros para os investidores e para nós, mas não só isso. A gente quer gerar impacto. Seja por levar informação, por pessoas nos procurando sobre ser vegano e outras são ações concretas, já que temos uma série de projetos desenhados, mas estamos esperando ter um capital e um aporte maior para contratar um time de pessoas para fazer esses projetos acontecerem na comunidade”, acrescentou.
Confira a entrevista com Gustavo na íntegra:
No Centro de Treinamentos, o Laguna oferece somente refeições veganas para seus atletas, que se comprometem a apoiar a causa, pelo menos dentro das estruturas do time.
“O veganismo é um valor intrínseco dos sócios. Algo que a gente acredita, uma escolha nossa. Para nós, não teria o menor sentido ter uma empresa que serve seis refeições ao dia para 40 pessoas ou mais que não fosse vegana. A gente entende que desde o início tem uma possibilidade de gerar um impacto social muito grande. Através do futebol tu consegue se comunicar e se conectar com todas as pessoas, de qualquer classe social, origem e religião. O futebol tem o poder de transformar as pessoas e o mundo”, comentou Gustavo.
“Imagina o Neymar, que tem 150 milhões de seguidores ou mais, alguma coisa que ele faz, fala ou posta, impacta quase a população do Brasil inteiro. Os clubes brasileiros historicamente eram super ativos, mas esse papel acabou ficando agora para os clubes de várzea. Esses times têm um papel na comunidade muito forte, de fazer ações. E por que não resgatar isso para o futebol profissional? Uma gestão altamente profissional, com pessoas capacitadas, e ter esse quê de várzea, comunidade e proximidade”, completou.
Para Rodrigo Carvalho, experiente goleiro que se juntou ao Laguna nesta temporada, a ideia de se tornar vegano era inusitada.
“Eu não tinha ideia do que esperar, para falar a verdade. Está muito interessante. Eu me tornei um ‘flex’ vegano, comendo 90% do tempo, para ocasionalmente fazer uma refeição que não seja totalmente vegana. Dentro do clube, são coisas só totalmente veganas. Achei que eu ia ter mais dificuldade, mas não estou. Achei que ia sentir falta da proteína animal, mas, na verdade, o que estou sentindo mais falta é do café da manhã, do ovo, do queijo”, disse na conversa.
Confira a entrevista com Rodrigo na íntegra:
Mas será que existe alguma diferença na alimentação vegana? Rodrigo responde:
“Senti diferença. Na primeira semana, uma ida ao banheiro é mais constante, até porque os produtos aqui que a gente consome são muito mais limpos, então acaba que nosso corpo precisa de menos tempo para processar. Mas depois que me adaptei, estou sentindo uma recuperação mais rápida muscular, perdi peso, não massa muscular, mas gordura. Estou sentindo algo positivo.”
Ver essa foto no Instagram
“A gente aqui tem identificado uma melhora de recuperação entre um treino e outro. Uma redução significativa em lesão. Levando em consideração que muitos atletas não são completamente veganos e fazem suas refeições fora do clube. Mesmo assim, só de reduzir significativamente produtos de origem animal, a gente já consegue perceber isso. Temos dois casos aqui que são simbólicos: Jean Mangabeira, que foi nosso capitão ano passado e hoje está no Náutico, vinha de uma lesão de joelho, nove meses sem jogar, era um atleta que sempre era o líder de intensidade. Não teve nenhuma lesão enquanto esteve no clube, se mantendo 100% vegano e falando que notava muita diferença no corpo, disposição e melhora. E outro atleta é o Gabriel Lima, emprestado para um time com um consumo de carne altíssimo, muito churrasco, quando voltou dizer: ‘Eu vou ser vegano’, porque percebeu que o corpo performava melhor com uma alimentação à base de plantas”, acrescentou Gustavo.
“O atleta que vem, já vem sabendo. Que isso é algo importante para nós, como valor da nossa torcida. Temos uma torcida organizada, que se identifica. Então isso é um sinal de respeito. Claro, o atleta é livre, hoje tem um atleta que cresceu comendo churrasco e comendo carne fora quando quiser. Dentro do clube, a regra é: do portão para dentro, é vegano. Para fora, ele faz o que quiser. E sempre levando informação para que eles se sintam confortáveis. A Associação Brasileira Vegetariana, que é nossa parceira,já esteve aqui duas vezes, dando palestras, com nutricionistas, chefes de cozinha, para se sentirem seguros”, completou o treinador.
O Laguna é um time que não busca impor à sociedade ao veganismo, mas colocar na cabeça das pessoas de uma forma legal que escolher seguir a ideologia não é algo complicado.
“O futebol é um meio de divulgar isso. Eu mesmo tinha uma ideia completamente diferente. A importância é divulgar e abrir o leque para as pessoas praticarem da maneira que acharem melhor. O veganismo não é uma coisa tão absurda assim, pelo contrário, é muito mais simples e mais saudável do que imaginam”, disse Rodrigo.
Nosso papel aqui não é impor nada, é levar informação”, completou Gustavo.
Mas será que outros times podem se inspirar no clube potiguar para colocar pautas socioambientais no seu dia a dia?
“Primeiro o clube precisa entender qual é sua vocação. Pode ser defendendo os imigrantes, lutar contra alguma exclusão, escolher aquilo que faça sentido para sua comunidade. Faça pequenas ações […] e comunicar isso para as pessoas”, explicou o treinador.
No lado esportivo, o time também não deixa de ser ambicioso. Nesta temporada, o Laguna foi vice-campeão, atrás do Baraúna. A decisão ainda está sob judice, visto que o campeão, Mossoró, foi desclassificado por irregularidades.
“Nossa ambição é chegar na Série A do futebol brasileiro até 2032, em termos esportivos”, afirmou Gustavo.
“Queremos subir o time. […] porque, pelas pautas que o Laguna prega, quanto mais pessoas atingirmos, mais vão entender o que o clube prega. A primeira coisa é manter o espírito de disputa que nós tivemos, sem baixar a guarda e a concentração”, explicou Rodrigo.
Mas, para poder se desenvolver esportivamente, o clube precisa se importar de todas as formas com os jogadores.
“O Laguna se torna diferente pela forma como tratam os meninos da base. […] eu converso com os mais jovens e falo que o conforto que eles têm, a liberdade, que dão para eles é fora do normal. Poder abrir a geladeira à vontade, poder pegar o que eles quiserem, pode repetir. Nos tratam muito bem […] o clima aqui é muito bacana. A diferença é que aqui você não carrega somente a parte esportiva, mas também o legado que o Rafa e o Gustavo carregam, que o Laguna carrega. Existe a responsabilidade social. Mas na competitividade não muda, sou muito competitivo, gosto sempre de estar ganhando, independente de qual campeonato seja, e aqui estamos colocando isso em prática também”, finalizou o goleiro da equipe.