Um herói nacional. Foi assim que Ayrton Senna ficou marcado na história do esporte brasileiro e da Fórmula 1.
O dia 1º de maio de 1994 é lembrado até hoje como uma das datas mais tristes da história do país. Isso porque, em Ímola, na Itália, mais especificamente na curva Tamburello, uma parte dos brasileiros morreu ao ver que um dos maiores pilotos que já existiram havia falecido em um trágico acidente. Trinta anos depois da tragédia, o SportBuzz traz detalhes exclusivos daquele final de semana.
Livio Oricchio, jornalista que acompanhou toda a carreira de Ayrton Senna, foi o responsável por trazer informações que poucos fãs de automobilismo souberam ao longo dos últimos anos. Em entrevista para o podcast do SportBuzz, em 2023, o repórter contou como o brasileiro estava durante o Grande Prêmio italiano.
Assista a entrevista na íntegra:
Para quem não se lembra, na temporada de 1994, antes mesmo do circuito de Ímola, Rubens Barrichello sofreu um grave acidente e já havia deixado os brasileiros em alerta, inclusive Senna. No dia seguinte, no sábado, Ratzenberger, na mesma curva que Ayrton viria sofrer o acidente no domingo, saiu do autódromo sem vida. A morte, vale destacar, deixou o piloto brasileiro tenso.
“Conversamos com ele na área da Williams enquanto ele almoçava. Ele claramente era uma pessoa que estava com quinhentas coisas na cabeça. Falava uma coisa e pensava em outra. Aí tem a batida do Rubinho na sexta, onde ele se machucou bastante. O Ayrton foi visitar ele no hospital Maggiore. No ambulatório, a gente viu o Ayrton com um semblante preocupado após o acidente do Rubinho. No sábado, deu para ver, ele [Senna] não estava no carro quando o Ratzenberger bateu. O Ayrton quando viu aquilo ficou estarrecido. Fomos até o ambulatório e a gente viu o Senna entrar na sala e quando saiu ele estava bem abatido e com os olhos marejados, sabia que o piloto havia morrido. Ele nem voltou para pista. Sabia que tinha o melhor tempo“, relembrou Livio.
Senna, inclusive, teria tido uma conversa com o histórico doutor Sid Watkins que o viu totalmente preocupado um dia antes do acidente fatal: “No sábado, o doutor, depois da morte do Ratzenberger, viu o Ayrton transtornado. Ele era muito próximo a mim. Ele contou que falou para o Ayrton não correr, mas o Senna respondeu que não tinha esse poder profissional para dizer que não ia correr. Era impossível“.
Mas essa tensão de Senna vinha muito antes de sua morte. No início da temporada, quando trocou a McLaren pela Williams, durante os testes em Estoril, Livio Oricchio contou para o SportBuzz que Ayrton reconhecia que aquele carro, também com as mudanças da FIA, era “inguiável”.
“Ayrton sabia que em 94 eles [da McLaren] não teriam um carro competitivo como o da Williams. A grande vantagem da Williams vinha do motor V10 e da suspensão ativa e se a Williams ofereceu essa possibilidade para o Ayrton correr, não havia dúvidas nenhuma. No entanto, quando a FIA muda as regras, ainda nos testes, em Estoril, o Ayrton sai assustado do carro e disse que o carro era ‘inguiável’. A Williams até chegou a cogitar usar o carro do ano passado e era uma opção para o Senna começar o campeonato. Só não foi, porque o Patrick Head e Adrian Newey bateram o pé. Mesmo com esse carro, o Ayrton foi pole nas duas primeiras corridas e até em Ímola, mas era um carro ‘inguiável’. Ele só foi melhorar em junho (um mês após a morte de Senna), no GP da França“, explicou.
A gente via a traseira do carro bater no chão em velocidade baixa. Eu, inclusive, quando teve o acidente [do Senna], cheguei a pensar que foi o ar que não passou por baixo do carro, criou uma bolha e o fez perder o controle. Mais tarde soubemos que foi a quebra de direção, e eu não tenho 100% de certeza disso“, continuou.
O suposto áudio, divulgado pelo irmão de Senna, sobre Galisteu realmente existiu?
Livio Oricchio confirmou que isso aconteceu, mas evitou trazer detalhes e garantiu que “teve o fato das fitas que o irmão levou para ele. Isso aconteceu, mas eu nunca me preocupei em saber. O que nós soubemos é que o irmão apresentou essas gravações da Galisteu. Mas a gente não sabe no que isso interferiu no desempenho do Ayrton. Isso nem é do meu interesse. Mas achei inoportuno e inconveniente em relação ao que o irmão fez“.
E a polêmica sobre o acidente?
Livio teve acesso aos documentos e conta detalhes
“Quando o Ayrton morreu, o corpo foi levado para o instituto médico de Bologna. Nós fomos para lá e, depois, na parte da noite, eu voltei para o autódromo. Não dormi à noite, não tinha como dormir. Não tinha ninguém no autódromo, entrei com o meu carro na pista e fui até o local do acidente. Chegaram dois carros da empresa que administrava o autódromo. Eu gosto muito da parte técnica do assunto e queria entender. Logo de cara, eu vi que tinha impressão errada do acidente. Vi as marcas do pneu na pista por causa do freio, contei em passos largos a distância até o local da batida e tinha a marca clara da freada na pista. Ele freou e reduziu bastante. A perícia apurou que o impacto foi a 190 km/h. Depois, eu vim para o Brasil na quarta-feira e voltei na sexta-feira para Europa. Eu fui para Bologna, já haviam colocado alguém para fazer toda a investigação e ninguém poderia falar sobre o tema. Depois de um certo tempo, eu vi que não ia adiantar ficar por lá. Aos poucos os estudos foram saindo. A Williams fez uma emenda na coluna de direção e a perícia apurou que o Ayrton começou a fazer a curva e a solda do diâmetro menor com o maior soltou.”
“Então, a roda que estava realizando a curva, uma vez que não havia conexão entre a direção e o restante do carro, ficou na tangente. O movimento foi compatível com o que vimos do acidente. Porém, essa mesma perícia, diz que o ângulo de impacto no muro foi de 17º. Eu confronto isso com a imagem que eu tive na segunda-feira de manhã, em seguida ao acidente, em que eu vi as marcas da freada, o ângulo de impacto das rodas até chegar no muro para mim era conclusivo. Era um ângulo muito maior do que o 17º. Houve uma imensa energia no choque e isso fez com que o carro se deslocasse pouco. Tempos depois, nos soubemos que o cockpit teria tido um vão no lado esquerdo. No momento em que eu li isso, eu coloquei em cheque as coisas dentro da minha limitação técnica. Não estou criando teoria da conspiração. Só é algo que eu não entendo“.
O primeiro a saber do falecimento de Senna
“O que menos interessava era a corrida, mas, sim, as condições de saúde do Senna. Fui para o hospital Maggiore, eu fui o primeiro a chegar lá. Importante lembrar, não sei se é porque eu gostaria de que fosse assim, mas achei que não pudesse [o acidente] ser potencialmente fatal. Ficou um pouco mais grave, quando o fotógrafo amigo da família me disse que ele estava muito mal, que estava perdendo sangue pela cabeça. Eu fui com aquilo embora, mesmo imaginando que aquilo não fosse fatal. Quando cheguei no hospital, eu encontrei com um médico e perguntei para ele sobre o Senna e ele me disse que foi ele quem atendeu o Ayrton no helicóptero. A partir daí, ele começa a me contar detalhes e aí caiu a ficha de que de fato era um quadro irreversível. O dano era generalizado na caixa craniana. O doutor Sid Watkins contou para a gente, que quando ele tirou o capacete de Ayrton Senna, a lesão era tão grande, que saía massa encefálica“.
Ayrton Senna foi o maior piloto brasileiro da história da F1. Durante a sua carreira, ele passou pela Tolerman, Lotus, McLaren e Williams. Foi com o carro branco e vermelho que ele conquistou os três campeonatos mundiais. Na Fórmula 1, ele conquistou 41 vitórias e ainda é considerado por muitos automobilistas da nova geração a grande inspiração profissional.