A Netflix lançou na última sexta-feira (29) a aguardada série Senna, uma produção que mistura ficção e realidade para retratar a vida do piloto Ayrton Senna, uma das maiores lendas do automobilismo mundial. A obra explora tanto momentos históricos da carreira do tricampeão quanto diálogos e situações fictícias criadas pelos roteiristas.
A série apresenta cenas íntimas entre Senna e figuras marcantes de sua vida, como Xuxa, sua então namorada, além de interações fictícias com o amigo e narrador esportivo Galvão Bueno. Uma das inovações da trama é a introdução da jornalista britânica Laura Harrison, personagem que reflete a opinião pública internacional sobre o piloto.
Apesar da licença criativa, Senna também é fiel a eventos reais, utilizando registros históricos e depoimentos para recriar momentos icônicos da trajetória do piloto. Segundo o jornalista Andrew Benson, “o fascínio mundial por ele reside não apenas no talento surpreendente, mas na profundidade e complexidade de sua personalidade. Ele era muito mais do que um piloto, tinha um carisma magnético.”
A lenda além das pistas
Mesmo não sendo o maior campeão da Fórmula 1, com três títulos mundiais, Senna superou as estatísticas ao se tornar um ícone global. Sua morte precoce, durante o Grande Prêmio de San Marino em 1994, e suas memoráveis performances em corridas moldaram sua aura mítica. “Ele tinha uma inteligência impressionante, um lado filosófico e a capacidade de cativar pessoas ao redor do mundo”, acrescentou Benson.
Trinta anos após sua morte, o piloto brasileiro segue no topo de listas dos melhores da história da Fórmula 1, sendo referência para novos talentos do esporte.
Senna sempre 🇧🇷♾️ pic.twitter.com/eFilq3yOTF
— Lewis Hamilton (@LewisHamilton) November 3, 2024
Fatos reais retratados em Senna
A série destaca episódios emblemáticos da vida de Senna, provando que a realidade, às vezes, supera a ficção. Confira alguns exemplos:
A polêmica derrota no Mundial de Kart de 1979
Um exemplo marcante ocorre logo no primeiro episódio, ao abordar a perda do campeonato mundial de kart de 1979 para o holandês Peter Koene. Apesar de ambos os pilotos terminarem empatados em pontos, o título foi decidido com base em um critério de desempate controverso.
Senna acreditava que a classificação final seria determinada pela colocação na última bateria, onde ele saiu vitorioso. Antes da decisão oficial, o piloto comemorou efusivamente diante de uma torcida entusiasmada no kartódromo de Estoril, em Portugal, que celebrava a possibilidade de ver um brasileiro no topo. No entanto, a FIA optou por considerar as colocações das semifinais como critério de desempate, favorecendo Koene. O episódio marcou uma das maiores frustrações da carreira de Senna, que nunca conseguiu conquistar o título mundial de kart, apesar de seu imenso talento.
A quase aposentadoria precoce
Em 1981, aos 20 anos, Senna se mudou para Norfolk, na Inglaterra, para competir na Fórmula Ford 1600, com o suporte financeiro de seus pais. Ele levou consigo sua então esposa, Lilian, com quem havia se casado recentemente. Apesar das dificuldades de adaptação à vida no exterior, o desempenho de Senna foi impressionante.
Correndo pela equipe Van Diemen, ele estreou com um quinto lugar e, apenas duas semanas depois, conquistou sua primeira vitória. O piloto venceu 12 das 19 corridas da temporada, sagrando-se campeão logo em sua estreia na categoria. O feito chamou a atenção de grandes equipes e marcou o início de rivalidades intensas.
Um episódio emblemático ocorreu no circuito inglês de Mallory Park. Durante a disputa, Enrique Mansilla, companheiro de equipe argentino, colidiu com Senna, tirando o brasileiro da pista. Mansilla justificou o incidente afirmando ter sido alvo de manobras semelhantes de Senna em corridas anteriores. O atrito culminou em uma cena icônica: Senna, irritado, segurando Mansilla pelo pescoço, registrada em uma fotografia amplamente divulgada.
Apesar do sucesso dentro das pistas, o jovem piloto surpreendeu ao anunciar sua aposentadoria no final da temporada. A decisão foi influenciada pela dificuldade de adaptação de Lilian à vida na Inglaterra e por um acordo com sua família, que previa seu retorno ao Brasil para trabalhar nos negócios da família.
A vitória com fita adesiva
Após uma breve aposentadoria, Ayrton Senna retornou à Europa em 1982 com um objetivo claro: alcançar a Fórmula 1. Determinado e focado, o piloto brasileiro conquistou os campeonatos europeu e britânico da Fórmula Ford 2000 naquele ano, consolidando-se como uma das grandes promessas do automobilismo.
No ano seguinte, Senna ingressou na Fórmula 3 britânica e protagonizou uma temporada inesquecível, marcada pela intensa rivalidade com o inglês Martin Brundle, que mais tarde se tornaria comentarista de Fórmula 1. Senna começou 1983 de maneira avassaladora, vencendo as nove primeiras corridas consecutivas. Contudo, Brundle reagiu e manteve a disputa acirrada até a prova decisiva, realizada no circuito de Thruxton.
Parece mentira, mas isso é AYRTON SENNA!
Campeão da Formula 3 com a ajuda de uma FITA ADESIVA.
Senna e a equipe West Surrey armaram um plano para a última e decisiva etapa da Formula 3 na Inglaterra: amarraram uma fita adesiva para fechar a saída de ar do radiador do óleo, para… pic.twitter.com/YgYPzcHJjd
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A vitória final de Senna foi um marco de sua genialidade e ousadia. Para garantir vantagem, sua equipe adotou uma estratégia incomum: colocou fitas adesivas nas entradas de ar do radiador do carro, acelerando o aquecimento do óleo e otimizando o desempenho logo na primeira volta. Entretanto, o risco era alto. Na sexta volta, o motor começou a superaquecer.
Demonstrando frieza e habilidade, Senna realizou uma manobra arriscada: afrouxou o cinto de segurança e, durante uma chicane, arrancou as fitas com a mão, conforme havia treinado por semanas. A estratégia funcionou, e Senna venceu a corrida e o campeonato.
Com 12 vitórias em 20 corridas, Senna quebrou o recorde de triunfos na Fórmula 3, consolidando sua reputação como um talento excepcional. Sua performance atraiu o interesse das principais equipes da Fórmula 1, e ele recebeu convites para testar carros da Toleman, McLaren, Brabham e Williams.
A ‘quase vitória’ em Mônaco
Em 1984, Ayrton Senna finalmente alcançou o tão sonhado posto de piloto na Fórmula 1. Contudo, sua estreia na categoria não ocorreu ao volante de um carro de ponta, já que o brasileiro não conseguiu uma vaga nas principais equipes. Assim, iniciou sua jornada pela modesta Toleman, equipe com histórico discreto na categoria.
O início de Senna foi desafiador. No Grande Prêmio do Brasil, em Jacarepaguá, ele abandonou a corrida na oitava volta devido a problemas no motor. Porém, na sexta etapa da temporada, o cenário mudou drasticamente. No icônico Grande Prêmio de Mônaco, Senna protagonizou uma das performances mais lendárias da história da Fórmula 1, consolidando as alcunhas de “rei da chuva” e “rei de Mônaco”.
A corrida, marcada por uma intensa chuva, teve sua largada adiada por 45 minutos. A situação da pista era crítica, com o túnel precisando ser molhado por caminhões de bombeiros para neutralizar o óleo deixado por acidentes anteriores. Mesmo com condições adversas, Senna largou em 13º lugar e começou a dar um show de habilidade, ultrapassando adversários como as Ferraris de René Arnoux e Michele Alboreto.
Na liderança, Alain Prost, pilotando uma McLaren, enfrentava a pressão de Senna, que a cada volta diminuía a diferença. Apesar de a prova estar programada para 76 voltas, as condições climáticas levaram Prost a sinalizar repetidamente pedindo o encerramento da corrida. Na volta 32, a direção de prova finalmente interrompeu a disputa com bandeira vermelha.
Antes da bandeira ser efetivamente aplicada, Senna cruzou a linha de chegada à frente de Prost, mas as regras determinaram o francês como vencedor, já que a classificação foi baseada na volta anterior.
Mesmo sem conquistar o lugar mais alto do pódio, Senna marcou sua presença na elite do automobilismo. Com um carro claramente inferior, ele registrou a volta mais rápida da corrida e esteve a poucos momentos de sua primeira vitória.
Essa primeira conquista viria no ano seguinte, no Grande Prêmio de Estoril, já pela Lotus. Mais uma vez, sob chuva intensa, Senna demonstrou sua maestria ao superar adversários com carros superiores, confirmando seu status como um dos maiores talentos de todos os tempos na Fórmula 1.
A vitória épica com uma marcha em Interlagos
A temporada de 1991 reservou um dos momentos mais emocionantes da carreira de Ayrton Senna. Bicampeão mundial e já consolidado como ídolo nacional, o brasileiro ainda buscava um feito inédito: vencer o Grande Prêmio do Brasil. Essa conquista finalmente aconteceu em Interlagos, mas foi marcada por uma das atuações mais desafiadoras e icônicas de sua trajetória.
Senna largou na pole position e rapidamente abriu vantagem sobre Nigel Mansell, da Williams. No entanto, o inglês reduziu a diferença e ameaçou assumir a liderança, até que um problema mecânico no carro de Mansell na volta 61 forçou sua retirada da corrida. Com isso, a pressão passou para o segundo piloto da Williams, Ricardo Patrese.
O Senna ganhando o GP de Interlagos com apenas uma Marcha passando na sua Timeline pic.twitter.com/xTDUyYKdhT
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O desafio de Senna aumentou drasticamente nas voltas finais. O câmbio de sua McLaren apresentou falhas, deixando o piloto apenas com a sexta marcha disponível. A situação exigiu um esforço físico monumental, com o brasileiro enfrentando espasmos musculares devido ao desgaste.
Apesar das adversidades, Senna cruzou a linha de chegada com uma vantagem mínima de três segundos sobre Patrese, garantindo sua primeira vitória no GP do Brasil. O público em Interlagos explodiu em comemoração, celebrando um triunfo que ia além da técnica: era um símbolo de resiliência e superação.
Curiosidades que ficaram de fora
A trajetória de Ayrton Senna é repleta de momentos memoráveis, mas alguns episódios fascinantes ficaram de fora da série da Netflix sobre o piloto. Entre eles, estão a paralisia facial que quase comprometeu sua carreira e a lendária performance no Grande Prêmio da Europa de 1993, em Donington Park.
No final de 1984, enquanto negociava sua saída da Toleman para a Lotus, Senna enfrentou um problema de saúde assustador. O lado direito de seu rosto parou de se mover, diagnóstico apontado como mastoidite — uma infecção que afeta o nervo facial localizado atrás da orelha.
Ele inicialmente tentou evitar o uso prolongado de cortisona, temendo os efeitos colaterais da medicação, mas precisou retomar o tratamento. Felizmente, a condição foi regredindo ao longo de 1985, permitindo que ele continuasse sua carreira sem maiores prejuízos.
Outro episódio marcante foi o Grande Prêmio da Europa de 1993, que entrou para a história como uma das corridas mais impressionantes de Senna. Disputada sob forte chuva no circuito de Donington Park, a prova viu o brasileiro transformar o desafio em espetáculo logo na primeira volta.
Senna largou em quarto, perdeu uma posição inicialmente, mas rapidamente recuperou terreno. Em apenas uma volta, ultrapassou Michael Schumacher, Karl Wendlinger, Damon Hill e Alain Prost, assumindo a liderança de forma magistral. A performance foi apelidada por muitos como “A Volta dos Deuses”.
A genialidade de Senna se manifestou também em uma estratégia inusitada. Ele percebeu que cortar caminho pelos boxes, sem limite de velocidade à época, poderia ser usado para marcar a volta mais rápida. Alegando problemas de comunicação com a equipe, Senna fez isso, reduzindo 200 metros de seu trajeto e cravando o recorde da pista.
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