Nascido em 1985 na cidade de Stevenage, Hamilton entrou no automobilismo em um ambiente quase exclusivamente branco. Seu pai, Anthony Hamilton, trabalhou em até três empregos simultaneamente para bancar a carreira do filho, que desde cedo mostrou talento excepcional. Porém, o preconceito racial se apresentou como um adversário tão difícil quanto os concorrentes nas pistas.
Quais foram os primeiros episódios de racismo no kart?
Aos oito anos, Hamilton já era alvo de intimidação racial nas pistas de kart do Reino Unido. Em entrevistas, ele relembra como outros competidores e pais o chamavam de “macaco” e faziam gestos racistas quando ele vencia corridas. Em uma competição particularmente marcante, após uma vitória, um competidor branco o esbarrou de propósito e disse que ele não pertencia àquele esporte.
Seu pai, Anthony, se tornou seu escudo e estratégista contra esses ataques. Ele instruía Lewis a nunca revidar com violência, mas sim a responder nas pistas, com vitórias. “Deixe que seu kart fale por você”, era o conselho. Essa mentalidade forjou no jovem piloto uma resiliência extraordinária e uma determinação em provar seu valor através da excelência, uma postura que ele carregaria por toda a carreira.

Como o ambiente da Fórmula 1 recebeu Hamilton?
Quando Hamilton estreou na McLaren em 2007, ele já era uma sensação midiática por seu talento, mas também um corpo estranho em um ambiente conservador. Durante o Grande Prêmio da Espanha daquele ano, torcedores apareceram pintados de preto, com perucas afro e as palavras “Hamilton’s Family” (Família do Hamilton) em suas camisetas, em um ato de racismo explícito que chocou o mundo do esporte.
A Federation Internationale de l’Automobile (FIA), órgão regulador do esporte, condenou o incidente, mas Hamilton precisou desenvolver uma casca emocional ainda mais dura. Internamente, ele relatava sentir o peso de representar toda uma comunidade e a pressão extra de não poder cometer erros, pois estes seriam usados para estereotipar e generalizar sobre a capacidade de pilotos negros.
Que iniciativas Hamilton criou para combater o problema?
Hamilton transformou sua posição de privilégio em plataforma de mudança estrutural. Em 2020, após o assassinato de George Floyd, ele fundou a The Hamilton Commission, em parceria com a Royal Academy of Engineering. A comissão teve como objetivo investigar as barreiras que impedem jovens negros de entrarem no automobilismo britânico, da engenharia ao pilotagem.
Além disso, ele criou a Mission 44, sua própria fundação focada em apoiar jovens de grupos sub-representados a alcançarem seu potencial através da educação, empregabilidade e mentoria. Ele também investiu milhões de libras em bolsas de estudo e programas de capacitação, atacando o problema não apenas com discursos, mas com recursos e ações concretas.
Qual foi o impacto do ativismo de Hamilton na Fórmula 1?
O ativismo incansável de Hamilton forçou a F1 e as equipes a encararem seu déficit de diversidade. Em 2019, a categoria lançou a F1 Academy, programa para promover pilotos mulheres, e estabeleceu metas de diversidade e inclusão. Equipes como a Mercedes, sua própria equipe, criaram programas de estágio e recrutamento focados em minorias étnicas.
Hamilton também usou seu uniforme e carro como palco de protesto pacífico. Em 2020, ele passou a usar camisetas com frases como “Arrest the cops who killed Breonna Taylor” (Prendam os policiais que mataram Breonna Taylor) e “Black Lives Matter” no pódio, desafiando as regras apolíticas tradicionais da FIA e colocando o tema em evidência global. Um desses protestos pode ser observado na publicação abaixo, feita por Hamilton (@lewishamilton) no Instagram.
Quais foram as maiores críticas e obstáculos que ele enfrentou?
Nem todas as iniciativas de Hamilton foram recebidas com apoio. Parte da imprensa tradicional e torcedores o acusaram de ser “muito político” e de deveria “apenas pilotar”. Alguns colegas de grid, em declarações veladas, questionavam seu ativismo. O próprio presidente da FIA da época, Jean Todt, inicialmente resistiu a permitir seus gestos de protesto no pódio.
Internamente, a solidão de ser o único muitas vezes pesava. Em entrevistas, Hamilton confessou momentos de dúvida e exaustão emocional, questionando se valia a pena carregar sozinho a bandeira da mudança em um ambiente tão resistente. A persistência diante dessas críticas, no entanto, solidificou sua posição como líder muito além das pistas.
O que a jornada de Hamilton ensina sobre superação e legado?
A história de Lewis Hamilton contra o racismo redefine o que significa ser um campeão esportivo no século 21. Ele demonstrou que a verdadeira superação não está apenas em vencer corridas, mas em mudar as regras do jogo para que outros possam competir em igualdade. Seu legado não será medido apenas por sete títulos mundiais, mas por quantas portas ele abriu para as gerações seguintes.
Sua trajetória prova que o combate ao preconceito requer ações em múltiplas frentes: excelência inquestionável para calar os críticos, ativismo público para aumentar a conscientização e investimento estrutural para criar mudanças duradouras. A lição mais poderosa é que silêncio é conivência, e que mesmo em ambientes hostis, uma voz corajosa pode iniciar uma revolução necessária. O caminho que ele trilhou sozinho agora está sendo pavimentado para que outros não precisem mais fazê-lo.





