O surfe mundial desembarca na Praia d’Ulé, em Guarapari-ES, para o BB Seguros Qualifying Series (QS) 4000, entre os dias 20 e 23 de novembro. E será diante da torcida capixaba que Kallebe Kymerson volta às competições. Após um período focado no próprio negócio de comida japonesa, o Kymer Sushi, o surfista retoma a vida de atleta justamente em casa.
“Eu me vejo hoje como atleta, chef e empreendedor. Carrego a essência da Barra do Jucu para onde eu vou”, resume o surfista de Vila Velha. Filho de Moacyr ‘Nenzinho’, à frente da Kymerson Surf School há mais de três décadas, e irmão caçula do bicampeão brasileiro Krystian Kymerson, Kallebe cresceu dentro de uma família moldada pelo surfe. Literalmente.
“Meu pai já vivia na água quando eu estava na barriga da minha mãe. Ele colocou o Krystian para surfar com três anos. Eu entrei no mar com dois. Minhas primeiras memórias são brincando na areia e ele me instruindo”, lembra.
A rotina de estrada começou cedo. Viagens seguidas para o Rio, campeonatos pelo Brasil, amizades que atravessaram estados e países. “A vida de atleta faz a gente expandir pensamento e cultura. A gente aprende com a alegria, com a frustração e com o jeito da família de segurar a barra junto. O surfe é individual dentro d’água, mas ninguém chega ali sozinho”.
O nome de Nenzinho aparece o tempo todo nas respostas. Uma liderança que se impõe pelo exemplo. “Meu pai é um espelho. Como pai, como amigo, como melhor amigo. Ele botava a gente no carro, enchia a kombi de prancha e aluno e ia para os picos. Ver a história dele e a dedicação que ele teve pelo surfe é uma lição que eu levo para a vida e para a competição”.
A história do Kymer Sushi nasce em outro cenário. Em 2018 e 2019, Kallebe passou temporadas na Califórnia. Dividia o tempo entre sessões de surfe e jornadas em pizzaria, coffee shop, eventos de comida e, por fim, restaurantes de culinária japonesa. O objetivo era simples e direto: sustentar o sonho de competir fora do país.
“Eu sempre fui de família de classe baixa. Paguei minhas passagens, paguei aluguel, correndo atrás. Ali eu entendi o valor da troca, do trabalho. Era competir, trabalhar, pagar as contas e crescer como pessoa”, conta.
Na volta ao Espírito Santo, veio o clique. Em 2020, já na pandemia, ele fez algumas vezes comida japonesa em casa para a família. A irmã deu a ideia de abrir um delivery. “Eu nunca tinha me visto como dono de negócio. Tinha trabalhado com tudo, mas sempre para alguém. Aí comecei pequenininho, em casa. Em pouco tempo o Kymer Sushi virou minha escola de vida adulta”.
O delivery cresceu, ganhou clientela fiel em Vila Velha e se transformou em marca. Hoje, Kallebe comemora um novo passo. “Estamos para inaugurar o espaço físico na Barra do Jucu, algo que eu visualizei uns quatro anos atrás. Ter o negócio na palma da mão, uma equipe, um sócio caminhando junto, é uma vitória enorme para mim”.
Entre 2022 e 2024, o foco foi quase todo no empreendimento. As competições ficaram em pausa, depois de um período em que ele tentou conciliar as duas frentes. “Em 2021 eu já competi pouco. Estava dividido entre a empresa e o surfe e tive algumas frustrações com julgamento em bateria. Na hora aquilo pesou. Eu decidi me afastar. Hoje eu entendo que o surfe é assim, que as pessoas erram, que não dá para deixar isso ser maior do que a vontade de competir”.
Longe dos campeonatos, mas não do mar, Kallebe seguiu surfando sempre que podia. Nesse intervalo, aprofundou o trabalho com o coach Diogo Leão, velho conhecido da família. “Mesmo surfando menos do que quando eu vivia só como atleta, eu sinto que lapidei meu surfe. Ganhei consciência, presença. Meu pai me colocou no mundo para surfar ondas em qualquer lugar. O Diogo me ajudou a organizar isso como estratégia e leitura de mar”.
O convite para o BB Seguros QS 4000, na Praia d’Ulé, chegou em um momento simbólico. Kallebe tem 26 anos e faz 27 no dia 28 de novembro, logo após o evento. “Eu tinha um plano antigo de voltar a competir com 28 anos. Essa vaga agora, aqui em casa, eu encaro como um presente de Deus, uma direção. Como se fosse um recado para eu me empenhar, voltar a competir de verdade”.
A meta, segundo ele, passa longe de promessas mirabolantes. “Penso bateria a bateria, round a round. Minha intenção é me divertir e surfar bem em cada bateria. Entregar 100% e mostrar um surfe apresentável. Quero representar meu bairro, representar o Espírito Santo. Se eu não estiver competindo, vou estar surfando. Se não tiver onda, vou estar na água de outro jeito, nadando, correndo na praia, sentindo a maresia. O surfe me ensinou muito além do resultado”.
O equilíbrio entre o empresário e o atleta parece hoje mais claro. A maturidade de gerir cozinha, equipe, fluxo de caixa e expansão ajudou a organizar também a cabeça do competidor. “Para fazer um negócio funcionar, ainda mais na cozinha, são muitos detalhes. Isso me trouxe maturidade. Hoje eu sei melhor quais passos dar como atleta, quais eventos mirar, como me preparar. Se eu colocar atenção no surfe, alinhando físico, mental e espiritual, sei que posso viver uma fase forte competindo”.
Os planos para 2026 envolvem duas frentes. “Quero expandir o Kymer Sushi e voltar a correr mais etapas. Minha ideia sempre foi ter liberdade financeira para poder viajar atrás de campeonato sem ficar perdido. Agora estou saindo um pouco da bancada e passando mais para a gestão, com equipe por trás. Se eu conseguir deixar a empresa redonda e viajar com tranquilidade, vai ser perfeito”.
No QS de Guarapari, além da torcida local, Kallebe terá a presença do irmão no evento. Krystian Kymerson também está confirmado na competição. A relação é de parceria, com um tempero de rivalidade saudável. “A gente compartilha treino desde criança. Viagens, mares diferentes, várias lembranças. Quando entra na água, é isso: vamos nos divertir, mas ninguém pode dar mole. Quero ganhar, independentemente de ser meu irmão. Se ele ganhar ou eu ganhar, a felicidade é mútua. Isso é muito maneiro”.
Por trás dos dois, segue firme a base da Kymerson Surf School, tocada por Nenzinho. “Meu pai formou muitos amigos e talentos. Tem gente que eu conheço desde criança por causa da escolinha. Ele sempre mostrou, mais por atitude do que por discurso, que o surfe é estilo de vida. Pegava a kombi, passava nos bairros, enchia de aluno e levava para o mar. Como professor, é um paizão. Os alunos têm um amor enorme por ele e muitos já ajudaram o projeto a se manter de pé”.
Quando fala da “dinastia Kymerson”, Kallebe não pensa em sobrenome de vitrine, e sim em continuidade. “Para mim, surfe é amizade, é conexão com o mar, é conexão espiritual. O mar é vivo, conversa com você. A nova geração precisa se dedicar, perder o medo de errar manobra, de quebrar prancha, de cair. Se não tentar, nunca vai saber se consegue mandar aquele aéreo alto ou tirar o tubo da vida. O surfe é presença, é se sentir vivo”.
Entre pranchas e sashimis, o capixaba tenta agora juntar as duas pontas. Na Praia d’Ulé, o público vai ver o retorno do competidor. Na Barra do Jucu, o movimento segue na cozinha. Em comum, a mesma entrega. “Eu gosto de construir, aprender, errar e evoluir. No mar ou na gastronomia, é isso que me move. Transformar sonho em projeto real e viver intensamente cada fase”.
