Carlo Ancelotti sempre foi um técnico de aparência serena, voz calma e gestos comedidos. Mas por trás do semblante tranquilo existe uma das mentes mais estratégicas da história do futebol. No Real Madrid, ele provou que é possível reinventar um time de galácticos sem precisar reinventar o caos. Sua genialidade está justamente na simplicidade: entender o que cada jogador faz de melhor e criar um sistema em que todos brilham juntos.
Quando Ancelotti retornou ao comando do Real Madrid em 2021, o clube atravessava um período de transição. A era de Cristiano Ronaldo havia terminado, e o time parecia perder identidade. Muitos esperavam um novo projeto radical, mas o italiano seguiu outro caminho: em vez de revolução, apostou em inteligência emocional, ajustes sutis e equilíbrio entre gerações. O resultado foi um dos ciclos mais consistentes e vitoriosos da história recente do clube.
A genialidade silenciosa
Diferente de técnicos que buscam protagonismo, Ancelotti prefere a harmonia ao espetáculo. Ele entende o vestiário como um ecossistema em que o ego, a confiança e a hierarquia precisam coexistir. Essa leitura humana foi fundamental para reconstruir a dinâmica do Real Madrid após anos de instabilidade.
Em campo, sua genialidade apareceu na adaptação das peças. Transformou Vinícius Júnior em um ponta decisivo, deu a Benzema o papel de líder e articulador, e reposicionou Modrić e Kroos para que o meio-campo mantivesse sua inteligência coletiva. Ao mesmo tempo, preparou discretamente a nova geração com jogadores como Valverde, Camavinga e Bellingham.
Essa capacidade de unir passado e futuro, controle e liberdade, se tornou a assinatura de Ancelotti no Real Madrid.
O plano tático que redefiniu o time
A maior virtude de Ancelotti foi equilibrar o Real Madrid entre a tradição do toque refinado e a modernidade da transição rápida. Ele percebeu que, sem Cristiano Ronaldo, o time precisava de um novo tipo de protagonismo. O gol deixou de ser obrigação de um astro e passou a ser consequência de um sistema coletivo.

Com Vinícius e Rodrygo nas pontas, Benzema recuando para criar espaços e o meio-campo ditando o ritmo, o Real passou a atacar em ondas. Essa estrutura híbrida entre o controle e o instinto confundiu adversários e recuperou o DNA imprevisível que sempre marcou o clube.
Entre os principais ajustes de Ancelotti estão:
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A conversão de Vinícius Júnior em referência ofensiva, com liberdade total no um contra um.
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A alternância entre defesa em linha de quatro e saída com três, tornando o time imprevisível.
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O uso de Valverde como peça tática para pressionar, marcar e atacar com intensidade.
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A construção de um meio-campo versátil que mistura juventude e experiência.
Mais do que mudar a forma de jogar, Ancelotti conseguiu algo raro: fez o Real Madrid se reconhecer em sua própria essência.
O treinador que entende pessoas
Ancelotti sempre afirmou que tática é importante, mas que o futebol é jogado por pessoas, não por esquemas. Sua habilidade em lidar com egos e pressões faz dele um treinador diferenciado. Jogadores como Benzema, Modrić e Kroos frequentemente o descrevem como “um pai dentro do vestiário”. Essa confiança emocional se traduz em campo, o time joga com serenidade até nos momentos de maior pressão.
Esse estilo de liderança o distancia da imagem tradicional de um técnico controlador. Ancelotti não impõe autoridade; conquista respeito com calma e coerência. Sua presença transmite estabilidade, e isso é tão valioso quanto qualquer plano tático.
O impacto duradouro no futebol moderno
O sucesso de Ancelotti vai além das taças. Ele provou que o futebol pode ser vitorioso sem ser radical, técnico sem ser frio, e emocional sem ser caótico. Em uma era de ideias extremas e discursos sobre “revoluções táticas”, o italiano lembrou que, às vezes, o segredo está na simplicidade de entender o jogo e as pessoas.
Com títulos em quatro décadas diferentes e conquistas em todos os grandes clubes por onde passou, Ancelotti se tornou o treinador mais vencedor da Champions League. Mas sua herança verdadeira está na filosofia que deixa para o Real Madrid: um modelo de gestão que combina inteligência, calma e intuição.





