A notícia caiu como uma bomba: o médico do Flamengo afirmou, em um grupo de WhatsApp, que Nicolás De La Cruz tem uma lesão crônica e irreparável no joelho. Que não tem condições de atuar em alto nível. Que não deveria estar jogando. Foi o suficiente para desencadear uma reação em cadeia: revolta do estafe do jogador, nota oficial do clube, apoio público dos companheiros de elenco e uma demissão.
Mas por trás da confusão política e institucional, há um ponto delicado e que merece ser tratado com mais seriedade: a condição física de um atleta profissional que atua sob dor, adaptação e limites cada vez mais tênues entre o “ainda dá” e o “vai estourar”.
O que significa “lesão crônica” no futebol?
Segundo o Dr. Rodrigo Martinez, no vocabulário médico, uma lesão crônica não é, necessariamente, sinônimo de afastamento definitivo. Ela pode representar uma condição controlável, manejável, que requer cuidados permanentes como um desgaste articular, uma condropatia grau 3 ou 4, um quadro de sinovite recorrente, por exemplo.
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Há atletas que convivem por anos com esse tipo de lesão. Não é incomum ver jogadores com joelhos operados mais de uma vez, cartilagens comprometidas ou limitações de extensão e flexão ainda em atividade. De acordo com o Dr. Rodrigo Martinez, o que define a continuidade da carreira não é a imagem de ressonância, mas a resposta clínica: dor, instabilidade, limitação funcional, desempenho em campo.
No caso de De La Cruz, não há (até agora) um boletim médico oficial detalhando o tipo exato de lesão. O que se sabe, pelos bastidores, é que o joelho direito tem histórico de desgaste, e o esquerdo também já foi tratado. Isso, por si só, não significa fim de linha, mas exige gestão. Uma gestão cuidadosa, silenciosa e ética. Não pública.
O corpo fala e o futebol nem sempre ouve
Dr. Rodrigo diz que, há algo incômodo no futebol de alto nível: o tempo para tratar uma lesão parece sempre menor que o tempo necessário para curá-la. O atleta é pressionado a voltar logo, a se infiltrar se for preciso, a jogar “na base do sacrifício”. E, em muitos casos, ele aceita. Porque ama o jogo e não quer perder espaço. Porque o contrato, a Copa, a convocação, a final… tudo tem prazo de validade.
A medicina esportiva tenta encontrar um equilíbrio entre proteger o atleta e permitir que ele exerça sua função. Mas esse limite é cada vez mais frágil.
Dá para De La Cruz seguir jogando?
A resposta curta é: depende. De acordo com o Dr.Rodrigo, depende do tipo de lesão, do grau de dor, da posição em campo, da rotina de recuperação, da estrutura do clube e, principalmente, do quanto o atleta está disposto a adaptar sua carreira. Há exemplos de jogadores que seguiram atuando com artroses avançadas, lesões irreversíveis de menisco, até mesmo ausência total de cartilagem em zonas de carga.
Desde que exista estabilidade, tolerância à dor e controle inflamatório, é possível performar em alto nível. Mas não é eterno. A grande questão é: vale a pena? E, mais do que isso, o clube está preparado para conviver com isso? Porque não se trata apenas de performance técnica, mas de planejamento de temporada, risco de recaída e preservação do ser humano por trás da camisa.
O que a polêmica com De La Cruz escancarou?
Para o Dr. Rodrigo, a relação entre atleta e departamento médico precisa ser mais do que técnica: precisa ser baseada em confiança. Que o sigilo profissional ainda importa. Que uma frase solta mesmo que verdadeira pode ter consequências devastadoras. E que, acima de tudo, o futebol precisa aprender a discutir lesão com maturidade.
De La Cruz pode continuar jogando? Pode. Desde que tenha acompanhamento adequado, manejo de carga e respaldo médico-científico. Mas ele também precisa ter segurança para parar quando for necessário sem que isso vire manchete, crise ou julgamento público. O futebol é feito de explosões e desacelerações. Dentro e fora de campo. Saber quando pisar no freio também faz parte do jogo. E talvez essa seja a lição mais urgente.