As razões de Zidane
No último dia 27, o Real Madrid confirmou a saída de Zinedine Zidane do comando técnico da equipe e informou que respeitou a decisão do treinador. Em carta aberta publicada pelo jornal “As” nesta segunda-feira, 31, o francês desabafou sobre a relação com o clube e disse que seus últimos dias não foram fáceis.
“Estou saindo porque sinto que o clube não me dá mais a confiança de que preciso, não me oferece o suporte para construir algo a médio ou longo prazo. Conheço o futebol e conheço as exigências de um clube como o Madrid, sei que quando não se vence é preciso ir”, disse Zidane.
O técnico exaltou as relações que construiu com os jogadores e funcionários do clube. Apesar de ter uma convivência positiva dentro do clube, Zidane criticou a imprensa pela maneira como foi tratado e durante as entrevistas coletivas.
“A vida de um treinador no banco de um grande clube é de duas temporadas, não muito mais. Para durar mais as relações humanas são essenciais, são mais importantes que o dinheiro, mais importantes que a fama, mais importantes que tudo”, avaliou o técnico.
“Você tem que cuidar deles. É por isso que doeu muito quando li na imprensa, depois de uma derrota, eles iriam me demitir se eu não ganhasse o próximo jogo. Machucou a mim e a toda a equipe porque essas mensagens vazadas intencionalmente para a mídia criaram interferências negativas na equipe, criaram dúvidas e mal-entendidos”, completou.
Em outro trecho, o ex-jogador garantiu que não vai abandonar a carreira de treinador.
“Vou (embora do Real Madrid), mas não vou pular do barco e não estou cansado de treinar. Em maio de 2018 saí porque depois de dois anos e meio com tantas vitórias e tantos troféus senti que a equipe precisava de um novo discurso para se manter no topo”, concluiu Zidane.
Confira a carta do treinador na íntegra:
“Agora decidi ir embora e quero explicar bem os motivos. Vou, mas não vou pular do barco e não estou cansado de treinar. Em maio de 2018 saí porque depois de dois anos e meio com tantas vitórias e tantos troféus senti que a equipe precisava de um novo discurso para se manter no topo.
Sou vencedor nato e estive aqui para conquistar troféus, mas além disso estão os seres humanos, as emoções, a vida e tenho a sensação de que essas coisas não foram valorizadas, que não foi compreendido que isso também se mantém a dinâmica de um ótimo clube. Até, de certa forma, fui censurado.
Há vinte anos, desde o primeiro dia em que pus os pés na cidade de Madri e vesti a camisa branca, vocês me deram o seu amor. Sempre achei que havia algo muito especial entre nós. Tive a grande honra de ser jogador e treinador do clube mais importante da história, mas, acima de tudo, sou apenas mais um madridista. Por tudo isso, queria escrever esta carta para me despedir de vocês e explicar minha decisão de deixar o clube.
Quando, em março de 2019, concordei em voltar a ser técnico do Madrid após uma pausa de cerca de oito meses, foi porque o presidente Florentino Pérez me pediu, é claro, mas também porque vocês me diziam isso todos os dias. Quando encontrava um de vocês na rua, sentia o apoio e a vontade de me ver novamente com a equipe.
Porque partilho os valores do madridismo, este clube que pertence aos seus sócios, aos seus torcedores, ao mundo inteiro. Em tudo o que tenho feito, tentei transmitir esses valores, tentei ser um exemplo. Passar vinte anos em Madri foi a coisa mais linda que já me aconteceu e sei que devo isso exclusivamente a Florentino Pérez, que apostou em mim em 2001, que lutou por mim, para me fazer vir quando havia gente que era contra. Digo de coração, sempre serei grato ao presidente por isso. Para sempre.
Agora decidi ir embora e quero explicar bem os motivos. Vou, mas não vou pular do barco e não estou cansado de treinar. Em maio de 2018 saí porque depois de dois anos e meio com tantas vitórias e tantos troféus senti que a equipe precisava de um novo discurso para se manter no topo.
Hoje as coisas são diferentes. Estou saindo porque sinto que o clube não me dá mais a confiança de que preciso, não me oferece o suporte para construir algo a médio ou longo prazo. Conheço o futebol e conheço as exigências de um clube como o Madrid, sei que quando não se vence é preciso ir. Mas aqui uma coisa muito importante foi esquecida, foi esquecido o que construo no dia a dia, o que tenho contribuído no relacionamento com os jogadores, com as 150 pessoas que trabalham ao redor da equipe.
Sou vencedor nato e estive aqui para conquistar troféus, mas além disso estão os seres humanos, as emoções, a vida e tenho a sensação de que essas coisas não foram valorizadas, que não foi compreendido que isso também se mantém a dinâmica de um ótimo clube. Até, de certa forma, fui censurado.
Quero respeitar o que fizemos juntos. Gostaria que nos últimos meses minha relação com o clube e com o presidente tivesse sido um pouco diferente da de outros treinadores. Não pedia privilégios, claro que não, mas um pouco mais de memória. Hoje a vida de um treinador no banco de um grande clube é de duas temporadas, não muito mais. Para durar mais as relações humanas são essenciais, são mais importantes que o dinheiro, mais importantes que a fama, mais importantes que tudo.
Você tem que cuidar deles. É por isso que doeu muito quando li na imprensa, depois de uma derrota, eles iriam me demitir se eu não ganhasse o próximo jogo. Machucou a mim e a toda a equipe porque essas mensagens vazadas intencionalmente para a mídia criaram interferências negativas na equipe, criaram dúvidas e mal-entendidos. Ainda bem que tive alguns meninos maravilhosos que ‘morreram’ comigo. Quando as coisas ficaram feias, me salvaram com grandes vitórias. Porque eles acreditaram em mim e eles sabiam que eu acreditava neles. Claro que não sou o melhor treinador do mundo, mas sou capaz de dar a força e a confiança que todos precisam no seu trabalho, seja ele jogador, membro da comissão técnica ou qualquer funcionário. Eu sei exatamente o que uma equipe precisa. Ao longo destes vinte anos de Madrid aprendi que vocês, torcedores, querem ganhar, claro que queremos, mas acima de tudo querem que demos tudo, o treinador, a equipe, os funcionários e, claro, os jogadores. E posso garantir que demos 100% de nós pelo clube.
Também aproveito esta carta para enviar uma mensagem aos jornalistas. Já dei centenas de coletivas de imprensa e infelizmente falamos muito pouco sobre futebol e sei que vocês também amam o futebol, que esse esporte nos une. Porém, sem pretender criticar ou dar lições, gostaria que as perguntas nem sempre estivessem voltadas para a polêmica, que tivéssemos falado mais sobre a bola e sobretudo sobre os jogadores, que são e sempre serão os mais importantes neste jogo. Não vamos esquecer o futebol, vamos cuidar do futebol.
Caros madridistas, sempre serei um de vocês.
¡Hala Madrid!
Zinedine Zidane”.